Se tivessem acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teriam ouvido as verdades que teimo em dizer a brincar, falei muitas vezes como um palhaço mas jamais duvidei da sinceridade da plateia que sorria. Charles Chaplin

Tornámo-nos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. Antoine de Saint-Exupéry

A cabeça que se não volta para os horizontes sumidos não contém nem pensamento nem amor. Victor Hugo

Não importa o que fizeram connosco, importa o que fazemos com aquilo que nos fizeram. JP Sartre

segunda-feira, 20 de abril de 2015

do livro que eu li - jesusalém


é o meu segundo livro do autor e o segundo encanto. mia couto tem a capacidade de pôr em prosa poética questões muito pertinentes da existência humana. escolhi duas citações que retratam as duas realidades que mais me marcaram nesta leitura.

"Para Silvestre o passado era uma doença e as lembranças um castigo. Ele queria morar no esquecimento. Ele queria viver longe da culpa."
pág. 256
 
"Ela traía-se a si mesma com alguém que não amava.
- Por que aceitamos tanto?
- Quem?
- Nós mulheres. Por que aceitamos tanto, tudo?
- Porque temos medo.
O nosso maior medo é a solidão. Uma mulher não pode existir sozinha, sob o risco de deixar de ser mulher. Ou se converte ... numa ou noutra coisa. ... Tudo menos mulher. ... neste mundo só somos alguém se formos esposa. É o que agora sou, mesmo sendo viúva. Sou a esposa de um morto."
pág. 257
 
mia couto in jesusalém

 
a primeira revela a essência do livro. jesusalém gira à volta de uma personagem que se quis fazer renascer longe de tudo, para assim se tentar libertar de todos os seus fantasmas. mas os fantasmas vivem em nós! ao tentar perder-se do mundo que o atormentava, perdeu-se de si, encontrou a loucura. esta é apenas uma das formas de fugir do que nos atormenta, talvez a menos consciente. há tantas outras que o ser humano foi obrigado a inventar (sim, porque ninguém escolhe as características com que veio ao mundo), a crença em entidades superiores, o uso de substâncias aditivas (com ou sem prescrição médica), pôr termo à vida, infernizar a vida de outros... infelizmente, a verdade é que, a tentar fugir de nós mesmos enfrentamos o risco de nos perdemos de viver!
 
a segunda fala de uma realidade que sempre me incomodou. mulheres que não sabem existir sem homens. e não estou a falar de sexo. falo de senhoras para quem ser mulher não tem sentido sem a presença de um homem. bússolas para quem o norte é sempre o género oposto. mulheres para quem a opinião de um homem é sempre mais válida que a sua, ou de qualquer outra mulher. mulheres que se definem, e se vivem em função deles. recentemente durante uma formação pedi às formandas que se apresentassem, o objectivo do curso é dar-lhe ferramentas extra para enfrentar o mundo de trabalho, surpreendi-me portanto, quando além do nome, recebi apenas informações sobre o estado civil. interroguei-me que importância tinha tal informação e porque não indicaram por ex. o nível de escolaridade ou as profissões que já tinham exercido! realizei que, ainda há muitas mulheres a não saber ser sem a presença de um homem... infelizmente, deixei de me espantar com elementos do género feminino que se anulam para agradar a quem não lhes dá nada em troca, nem tão pouco respeito. deixei de me espantar com vítimas caladas de violência física e psicológica dos companheiros. percebi que não é uma questão de educação, extracto social ou formação académica, é algo tão inerente à natureza das mulheres - de cada vez menos, acredito - quanto o machismo o é à natureza dos homens. a existência de um não será certamente alheia à de outro.

2 comentários:

  1. Olá Canca, obrigada pela partilha...também gosto muito de Mia Couto mas ainda não tinha lido este livro.
    Beijinhos
    Maria

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    Respostas
    1. Olá Maria :)

      Eu li Mia Couto pela primeira vez o ano passado, é das mais encantadoras formas de escrever que conheço. :)

      Beijinhos

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